domingo, 1 de fevereiro de 2009


'Quando te fores embora, não faças barulho. Prefiro não saber, não te ouvir, não sentir ao olhar a tua sombra na parede e perceber que pode ser a última vez que a luz desenha o teu perfil aquilino, metade pássaro, metade imperador. Prefiro não saber que partes, porque ao menos assim, não choro a tua ausência, porque não me foi anunciada. E se não fizeres barulho e eu continuar adormecida, no dia seguinte vou imaginar que acordei noutro lugar, que entrei numa dimensão desconhecida, que mudei de nome e de coração e que, como nunca te conheci, não posso chorar a tua perda. Prefiro que partas de noite, quando os espíritos inconformados e sem pátria descem à terra à procura de uma alma distraída, porque assim não te vejo a olhar para a cama, a parar os ponteiros do relógio para guardares para sempre na tua memória o nosso último momento. Sempre imaginei que partirias assim, e quanto mais me dizes que me amas e que sou a mulher da tua vida, mais me convenço que estou certa e que pode ser isso mesmo, um dia te podes levantar da cama, a meio da noite, fugindo para sempre do teu ninho, só porque tens medo de nunca mais o conseguir abandonar.'